29 de outubro de 2013

O Silêncio dos Inocentes (1991)

Para comemorar 1 ano do Cinematógrafo um filme especial: O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs) é um retrato amargo da loucura intelectual que assusta, mas ao mesmo tempo fascina. Pintado na tela escura de nosso subconsciente com tons mórbidos e sombrios realçados com a frieza da transformação. Clássico do suspense por vezes enquadrado no gênero terror, o filme recebeu 5 dos principais prêmios do Oscar, foi apenas a terceira vez que isso ocorreu em toda a história, com melhor filme, direção, roteiro adaptado, melhor ator e atriz, O Silêncio dos Inocentes tornou-se um dos maiores filmes da década de 90 e marcou a carreira de Anthony Hopkins e Jodie Foster graças a espetacular direção de Jonathan Demme.

Hannibal Lecter é sem dúvida o maior serial killer da história do cinema, baseado na obra homônima do escritor Thomas Harris de 1988, O Silêncio dos Inocentes é a segunda aparição do canibal, que surgiu na literatura em 1981 no livro Dragão Vermelho. No cinema fez sua estreia em 1986 no filme Manhunter, primeira versão do romance Dragão Vermelho que em 2002 ganharia sua versão mais famosa com Hopkins de volta ao papel do Dr. Canibal.

Hannibal é conhecido por sua inteligência, perspicácia e frieza. O modo como descreve Clarice Starling apenas pelo cheiro captado por seu olfato extremamente desenvolvido é perturbador e precede o conselho dado por Jack Crawford, chefe da unidade de Ciência e Comportamento do FBI, vivido por Scott Glenn, ao alertá-la para que não permitisse que Lecter entrasse em sua cabeça, “acredite você não vai querer Hannibal Lecter dentro de sua cabeça”.

O roteiro adaptado por Ted Tally foi tão bem escrito quanto o romance de Harris. Pablo Villaça em sua crítica à altura da obra, extremamente detalhista e ilustrada, disse que muito além de um suspense O Silêncio dos Inocentes é uma fonte fidedigna para estudos da personalidade humana. Starling e Lecter foram criados por Harris com carinho paterno e o caráter dos dois foi forjado nos livros da intelectualidade e perseverança. Embora Clarice expresse mais perseverança que intelectualidade o Dr. Lecter não é apenas intelectual, sua perseverança alça voos profundos, mesmo atrás das grades, o que foi provado por alguns guardas com a incauta missão de vigiá-lo. Características que os aproximam além da investigação de Buffalo Bill. Clarice busca silenciar os gritos dos carneiros presos em sua memória e Hannibal se afeiçoa à frágil “caipira” que luta para se firmar em um mundo estritamente masculino e machista.

A luta de Starling contra seu passado, que fica evidente - ainda de acordo com a excelente crítica de Pablo Villaça – em seus flashbacks, nos quais relembra a morte de seu pai, em uma dessas cenas ela aparece ainda criança vestida com roupas da mesma tonalidade que usa quando adulta, o que salienta o momento de sua vida em que ela ficou presa psicologicamente. Essa “prisão” se evidencia em outros dois momentos do filme. No lendário diálogo entre ela e Hannibal, no qual Demme realiza o que o difere dos outros diretores, o modo como os atores olham diretamente para a câmera e o close cada vez mais próximo ao rosto de Lecter, como se o víssemos entrando lentamente na mente de Clarice, enquanto ela relembra a fatídica noite em que presenciou o massacre dos carneiros em um celeiro. Hannibal insinua que ela busca por Buffalo Bill com a esperança de calar os gritos, não apenas da filha da senadora sequestrada, mas também dos carneiros que ficaram presos em sua mente. Esse trauma a prendeu em si mesmo e sua liberdade está condicionada com a resolução do crime, com a liberdade da filha da senadora, ela não pode salvar os carneiros e tem a obrigação de salvar Catherine Martin. Outra cena memorável e minuciosamente trabalhada se passa quando Lecter está preso em Memphis e Clarice surge pedindo o nome de Buffalo Bill – apelido dado pelos policiais ao serial killer, as grades da cela estão invertidas e quando Hannibal fala com ela de dentro da cela ela é quem aparece presa. Hannibal a pergunta ”conseguiu silenciar os carneiros?”.

Confira o Trailer:


A trilha sonora de Howard Shore tem momentos de intensa dualidade, como uma ode aos feitos sinistros do canibal ou réquiem para suas vítimas. Muitas vezes soam como hinos à loucura, em outras somos acuados com medo e receio de que tudo está presente em nós. O Silêncio dos Inocentes tem esse poder transformador que nos faz torcer pelo mal em determinados momentos nos pondo em xeque contra nosso próprio caráter e moral. A transformação do antagonista vai além de mudanças físicas, a profundidade do personagem reflete nas escolhas que realizamos entre o bem e o mal.

Jame Gumb
A tensão do fim do filme é semelhante à do livro, os méritos se devem à montagem de Craig McKay (indicado ao Oscar). Enquanto na obra de Harris temos em um capítulo o FBI chegando à casa de Buffalo Bill - com a interpretação doentia de Ted Levine, no outro temos Clarice interrogando testemunhas na vizinhança de Jame Gumb, o soar das batidas na porta ouvidas por Gumb coincide com a equipe de Crawford tentando entrar no local. Visualmente a tensão é ainda maior, a montagem de McKay e a fotografia de Tak Fujimoto são precisas nos dois momentos e dão a clara impressão de que a equipe do FBI está no mesmo local em que as batidas ecoam, no clímax do suspense apavorante acompanhado de perto pela apreensão do público quem está diante da porta de Gumb é Clarice, alheia à própria descoberta e sob a sombra do treinamento realizado no FBI no qual foi morta por desatenção na invasão de uma residência.


A incontestável postura de Hopkins é tão intensa que ele quase não pisca em suas falas, o que intensifica o autocontrole de Hannibal, elegante nos diálogos e fatal até com as palavras. O olhar firme e compenetrado é a janela para sua natureza fria e cruel. O preciosismo retratado na obra é raro em suspenses, o que aumenta o classicismo de O Silêncio dos Inocentes.

A Mariposa da Morte, escolhida para referenciar a transformação do assassino de mulheres Buffalo Bill, é conhecida pela representação de uma caveira em seu dorso. O que assusta não apenas nós homens, mas também seus predadores naturais. A imagem de divulgação contida no pôster do filme traz uma caveira ainda mais evidente baseada na obra de Salvador Dali. A pintura do mestre do surrealismo retrata sete mulheres estáticas e inertes, como a própria morte que desfruta em quietude o silêncio dos inocentes que são devorados por ela.


E que o cinema esteja com vocês!

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